JANIO DE FREITAS*
Se há contra os réus indução de animosidade, a resposta prevista
só pode ser a expectativa de condenações
O julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal é
desnecessário. Entre a insinuação mal disfarçada e a condenação explícita, a
massa de reportagens e comentários lançados agora, sobre o mensalão, contém uma
evidência condenatória que equivale à dispensa dos magistrados e das leis a que
devem servir os seus saberes.
Os trabalhos jornalísticos com esforço
de equilíbrio estão em minoria quase comovente.
Na hipótese mais complacente com a
imprensa, aí considerados também o rádio e a TV, o sentido e a massa de
reportagens e comentários resulta em pressão forte, com duas direções.
Uma, sobre o Supremo. Sobre a
liberdade dos magistrados de exercerem sua concepção de justiça, sem
influências, inconscientes mesmo, de fatores externos ao julgamento, qualquer
que seja.
Essa é a condição que os regimes
autoritários negam aos magistrados e a democracia lhes oferece.
Dicotomia que permite pesar e medir o
quanto há de apego à democracia em determinados modos de tratar o julgamento do
mensalão, seus réus e até o papel da defesa.
O outro rumo da pressão é, claro, a
opinião pública que se forma sob as influências do que lhe ofereçam os meios de
comunicação.
Se há indução de animosidade contra os
réus e os advogados, na hora de um julgamento, a resposta prevista só pode ser
a expectativa de condenações a granel e, no resultado alternativo, decepção
exaltada. Com a consequência de louvação ou de repulsa à instituição judicial.
O procurador-geral da República,
Roberto Gurgel, reforça o sentido das reportagens e dos comentários mais
numerosos, ao achar que "o mensalão é o maior escândalo da história"
-do Brasil, subentende-se.
O procurador-geral há de ter lido, ao
menos isso, sobre o escândalo arquitetado pelo brilho agitador de Carlos
Lacerda em 1954, que levou à República do Galeão, constituída por oficiais da
FAB, e ao golpe iniciado contra Getúlio Vargas e interrompido à custa da vida
do presidente.
Foi um escândalo de alegada corrupção
que pôs multidões na rua contra Getúlio vivo e as fez retornar à rua, em
lágrimas, por Getúlio morto.
Como desdobramento, uma série de
tentativas de golpes militares e dois golpes consumados em 1955.
O procurador Roberto Gurgel não
precisou ler sobre o escândalo de corrupção que levou multidões à rua contra
Fernando Collor e, caso único na República, ao impeachment de um presidente.
Nem esse episódio de corrupção foi escândalo maior?
E atenção, para não dizer, depois, que
não recebemos a advertência de um certo e incerto historiador, em artigo
publicado no Rio: "Vivemos um dos momentos mais difíceis da história
republicana".
Dois inícios de guerra civil em 1930 e
1932, insurreição militar-comunista em 1935, golpe integralista abortado em
1937, levante gaúcho de defesa da legalidade em 1961, dezenas de tentativas e
de golpes militares desde a década de 1920.
E agora, à espera do julgamento do
mensalão, é que "vivemos um dos momentos mais difíceis da história
republicana".
Publicado originalmente na Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário