A presidente Dilma Rousseff demonstra segurança e
autocontrole sobre as críticas que atingem sua gestão. Em entrevista ao
jornalista Luís Nassif, ela diz que prepara o país para algo muito maior
do que sua gestão. Uma entrevista reveladora, onde ela aborda assuntos que a grande mídia esconde.
Leia:
O novo país
Que país a senhora pretende que nossa geração entregue para a de nossos netos?
Está vindo por aí uma nova geração totalmente diferente, que
encontrará um país totalmente diferente do que nossa geração recebeu.
Nós vamos transformar o Brasil em um país rico, de classe média.
Pessoalmente acho que essa herança ficará não apenas eliminando a
pobreza, mas conseguindo uma educação de altíssima qualidade. Só a
educação permite um ganho permanente, irreversível. Por isso defendo os
royalties para educação.
Qual a próximo ciclo da economia?
A etapa do combate à miséria absoluta está prestes a terminar. Hoje
em dia, existe o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o apoio ao
microempreendedor, o Luz Para Todos. Essa foi a primeira grande leva de
transformações e só tem dez anos. Os frutos ainda nem começaram a
aparecer. A segunda grande leva será a busca da competitividade.
E as frentes da próxima batalha?
A principal é a Educação, que serve ao lado social e à
competitividade. Há um amplo investimento no Prouni (Programa
Universidade para Todos), no FIES (Financiamento Estudantil), na
ampliação das escolas técnicas, de universidades e novos campis. E na
interiorização da educação. Levar a educação para o interior muda padrão
de vida de toda uma região.
Os analistas ainda não se deram conta da extensão do trabalho em
educação. Financiamos R$ 1,5 bilhões para o Senai ampliar a formação de
mão de obra. A Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego) da CNI (Confederação Nacional da Indústria) irá formar 8
milhões de trabalhadores até 2014. O MEC (Ministério da Educação) está
entrando com recursos para formação de técnico para nível médio.
A parte relevante é o treinamento de mão de obra com vários escalões,
até chegar à Tereza Campello (do Ministério do Desenvolvimento Social).
Há várias turmas de filhos do Bolsa Família se formando. Já chegam a um
milhão de alunos.
Essa mesma parceria do Senai estamos fazendo com o
Senar (da Agricultura) e com o Senac (do Comércio). O Senai e o Senar
são os parceiros mais ativos.
O mais interessante é a quantidade de mulheres que saem do Bolsa
Família e se tornam operárias especializadas. Na cerimônia de formação
dos alunos do BF, a oradora da turma era uma moça que se tornou
eletricista.
Os marcos regulatórios
E a outra frente?
A segunda frente são os novos marcos regulatórios. No período Lula
houve o marco do setor elétrico. Depois, o pre-sal. Como se sabia onde
havia petróleo, com risco menor de prospecção, mudou-se a exploração
para o sistema de partilha, para o país beneficiar-se o máximo possível
da nova riqueza.
E a Lei dos Portos?
O marco regulatório dos portos é fundamental. No lançamento afirmei
que seria a segunda abertura dos portos. A primeira, de Dom João VI, foi
para o comércio com as nações amigas. A segunda, agora, é a abertura
para o investimento privado. Há a necessidade de um padrão de eficiência
compatível com a sofisticação industrial, agrícola e a extração de
minérios.
No caso dos portos, ampliar os terminais de uso privado, deixar quem
quiser exportar através de container, sem reserva de mercado, e ampliar a
capacidade de comunicação do país com o exterior.
Na sequencia, o desafio será priorizar a cabotagem (navegação da costa).
Um de nossos principais atos foi o de desobstruir a infraestrutura.
Todo mundo tem o direito de passar. Para não penalizar quem faz a infra,
quem quiser passar paga o mesmo que o concessionária cobra de si
próprio.
A expansão dos portos abrirá um novo mundo, permitindo a integração com ferrovias, com o transporte aquaviário.
Hoje em dia, temos condições de planejar estrutura ferroviária,
porque os portos são importantes, porque rodovias estão sendo
duplicadas. Eisenhower, quando assume governo norte-americano, duplicou
todas as estradas. Chefiou as Forças Aliadas na Segunda Guerra. Planejou
atravessar a França para chegar e Berlim em determinado prazo. O
planejamento fio em cima da experiência antiga com as estradas
francesas, estreitas. Quando entrou nas autobans, a chegada em Berlim
foi abreviada. Aí ele entendeu a importância das autoestradas. Levou 15
anos para duplicar as estradas norte-americanas. Nós duplicamos os
principais eixos.
O salto agrícola
Resolve-se, com isso, o problema do transporte das safras?
Ninguém notou muito, mas lançamos recentemente uma política
fundamental, a de armazenagem. Precisamos de 65 milhões de toneladas de
capacidade instalada de armazéns. No último Plano de Safras, foram
destinados R$ 136 bilhões para a agricultura comercial e R$ 21 bi para a
familiar. Foram colocados R$ 5,5 bilhões, a 3% ao ano de juros e prazos
de 15 anos, para a ampliação da rede de armazéns.
Ao mesmo tempo, será recriada uma estrutura de assistência técnica e extensão rural.
A Embrapa é uma instituição voltada para a pesquisa. A nova
organização será voltada para a assistência técnica, como agência de
difusão de tecnologia. Será enxuta e seu papel consistirá em articular
consultorias privadas para atuar em duas áreas prioritárias: agricultura
de precisão e produção de hortifrutigranjeiros em áreas protegidas
(estufas), além de pesquisas em biotecnologia, nas áreas de DNA,
pecuária leiteira.
O campo de Libra
E a licitação do campo de Libra?
Ainda não caiu a ficha geral sobre a próxima licitação do pré-sal, em
22 de outubro. Será licitado apenas um campo, o de Libra. Dentro da
política da ANP (Agência Nacional de Petróleo), a Petrobras foi
contratada para furar um poço. Fez a prospecção e constatou,
inicialmente, uma capacidade potencial de 5 bilhões de barris
equivalente de petróleo. Depois, pegaram os mapas de sísmica em 3D e
enviaram para análises em Londres. Os últimos dados apontam para uma
capacidade de 8 a 12 bilhões de bpe. É algo em torno de 2/3 do total das
reservas brasileiras descobertas em toda sua história.
As análises iniciais indicam um preço bastante competitivo, na faixa
de 40 dólares o barril. O gás de xisto dos Estados Unidos, tão falado,
não sairá por menos de 80 dólares.
Recentemente fizemos em Porto Alegre um seminário sobre a
indústria naval e houve relatos entusiasmados sobre os avanços no setor.
Você não sabe a satisfação que é quando se percebe que um objetivo
foi alcançado. Lembro-me que em 2003 o presidente Lula me chamou e disse
que o Brasil já tinha sido um dos maiores produtores de navio nos anos
70. E que queria que voltasse a ser. Fui com a Graça Foster, titular de
uma das secretarias do Ministério, até um estaleiro abandonado.
Era um areal imenso, a perder de vista, sem nada em cima. As pessoas
caçoavam, diziam que seria impossível o Brasil construir navios, que
estava muito acima da nossa capacidade. Ora, construir navios é a
capacidade de transportar chapas e de soldar. Como, impossível?
Hoje, quando volto aos mesmos lugares, vemos guindastes gigantescos, o
estado da arte, equipamentos sofisticados. E com o campo de Libra, vai
ser um salto ainda maior. Haverá uma demanda gigantesca por
equipamentos, de 14 a 17 plataformas, exigindo acelerar substancialmente
a indústria naval.
Porque concessões e investimentos demoram tanto a deslanchar?
O país paga um preço de 20 anos com austeridade fiscal e baixa
projeção econômica e de investimento. Ninguém passa imune por isso.
As consequências foram a hipertrofia das estruturas de fiscalização
em detrimento da execução. O funcionalismo fiscal tornou-se importante; o
de execução perdeu status e incentivo. Esse fenômeno espalhou-se pelo
setor privado, com os engenheiros de produção cedendo lugar aos
engenheiros voltados para a área financeira e de gestão. Desapareceram
as grandes empresas de consultoria de engenharia.
O planejamento de longo prazo retornou ao país em 2007, com o
primeiro PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Ninguém mais fazia
projetos, nem a União, nem os estados nem a iniciativa privada estavam
preparados para enfrentar o desafio.
De lá para cá houve expressiva mudança qualitativa. Hoje em dia
União, estados e iniciativa privada estão mais aparelhados, as empresas
de projetos são bem melhores, com impacto no ritmo das obras. Houve
modificações nos sistemas de contratação, reduzindo o tempo, melhoria
na capacidade de planejar.
Quando as concessões deslancharão?
Na segunda metade do ano, haverá um festival de licitações. Serão
licitados 7.500 km de rodovias, aeroportos, ferrovias, o poço de Libra,
gás em terra, armazéns, linhas de transmissão e geração e o TAV (Trem de
Alta Velocidade). Os empresários internacionais já acordaram para isso.
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