Por Leonardo Sakamoto
Montadoras estão planejando demitir, apesar do aumento de
vendas trazido pela redução de IPI. General Motors e a Volkswagen abriram
programas de demissão voluntária, sendo que a GM estuda fechar a linha de
montagem de veículos de São José dos Campos e extinguir 1.500 vagas, segundo o
sindicato de metalúrgicos local. A informação é de matéria publicada na
terça-feira (3 julho 2012) pela Folha de S.Paulo, apontando que as empresas
estão preocupadas que isso seja euforia passageira.
Outra matéria, do jornal Estado
de S. Paulo, aponta que, desde o início da crise econômica internacional, o
governo abriu mão de R$ 26 bilhões em impostos para indústria automobilística.
E, nos últimos três anos, as montadoras enviaram US$ 14,6 bilhões ao exterior,
o que dá cerca de R$ 28 bi em valores de hoje. Brasileiros e brasileiras, um
valor semelhante à nossa renúncia fiscal foi exportada para ajudar a manter as
matrizes dessas empresas que não haviam se preparado para lidar com a crise.
O governo não consegue garantir,
de fato, que as montadoras aqui instaladas não demitam trabalhadores por conta
desses benefícios. Muito menos consegue a autorização delas para que sejam
colocadas na mesa outros temas importantes, como um controle mais rígido sobre
a cadeia produtiva dessas empresas. Hoje, ao comprar um carro, você não tem
como saber se o aço ou o couro que entrou na fabricação do veículo foram
obtidos através de mão-de-obra escrava e trabalho infantil ou se beneficiando
de desmatamento ilegal. Por que? Porque essas empresas não rastreiam como
deveriam os fornecedores de seus fornecedores, apesar das comprovações de
ilegalidades apontadas pelo Ministério Publico Federal e pela sociedade civil.
Quando anunciadas, essas
políticas são consideradas a salvação da pátria. Mas a história mostra que as
coisas não são tão simples assim. Até porque é exatamente nesses momentos que a
indústria aproveita para fazer aquele ajuste tecnológico básico, tornando mais
gente desnecessária.
Durante o pico da crise de 2008,
a General Motors demitiu 744 trabalhadores de sua fábrica em São José dos
Campos (SP) sob a justificativa de “diminuição da atividade industrial”. Mesmo
após ter recebido apoio dos governos da União e do Estado de São Paulo no
sentido de facilitar a compra de seus produtos por consumidores. O setor também
é beneficiário de recursos oriundos de fundos públicos, como o Fundo de Amparo
ao Trabalhador e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, ou seja, pertencente
aos trabalhadores.
Carpideiras do mercado disseram e
escreveram, na época, que o Ministério do Trabalho e Emprego e sindicatos
faziam uma chiadeira irracional, pedindo contrapartidas à cessão de linhas de
crédito ou corte de impostos. Atestaram que empresas não podem operar
esquecendo que estão inseridas em uma economia de mercado, buscando a taxa de
lucro média para continuar sendo viável. Em outras palavras, defendiam que não
dá para esperar que o capital seja dilapidado da mesma forma que o trabalho em
uma crise.
Essa “regra do jogo” me faz
lembrar um restaurante self-service. Você passa com a bandeja e escolhe o que
quer e o que não quer para o almoço. O que é bom para você, coloca no prato. O
que é ruim, fica para a massa se servir depois. Traduzindo: o Estado tem que
garantir e ajudar o funcionamento das empresas, mas as empresas não podem
sofrer nenhuma forma de intervenção em seu negócio. Um liberalismo de
brincadeirinha, de capitalismo de periferia, com um Estado atuante, mas
subserviente do poder econômico, em que o (nosso) dinheiro público deve entrar
calado para financiar os erros alheios. Privatizam-se lucros (que depois são
exportados), estatizam-se prejuízos.
O governo tem a obrigação sim de
exigir contrapartidas de quem vai receber recursos ou benefícios devido à crise
econômica – aliás, este é o momento ideal para isso. Quando as empresas
estiverem surfando novamente, após este ciclo recessivo mundial passar, vai ser
mais difícil colocar cartas na mesa como agora.
Em momentos de crise como esse é
que direitos trabalhistas e sociais têm que ser reafirmados, garantidos, universalizados
e não o contrário. Pois é nesta hora que a população que sobrevive apenas de
seu salário está mais fragilizada. E é em momentos como esse que sabemos quem é
socialmente responsável e não aquelas que fazem propagandas na TV com carros
cruzando lindas estradas cheias de macacos-prego-do-piercing-amarelo para
mostrar é verde.
Em 2008, li depoimentos de
montadoras dizendo que os trabalhadores tinham que entender que esta é uma
crise global e muitas de suas sedes estão passando sérias dificuldades,
correndo o risco, inclusive de fechar. O que é mais um caso self-service.
Lembro um exemplo que pode ser ilustrativo: um dia, questionei a Ford, nos
Estados Unidos, sobre o porquê de não atuar de forma mais incisiva para evitar
que suas subsidiárias em países como o Brasil estivessem inseridas em cadeias
produtivas em que há crimes ambientais ou trabalho escravo. Como resposta,
disseram que há independência entre as ações da matriz e das subsidiárias e que
as matrizes não podem interferir, apenas pedir que atuem de acordo com a
legislação.
Ótimo! Tá resolvido o problema.
Pois, elas não vão se incomodar se o Brasil regular o envio de remessas de
lucros para o exterior, utilizando os recursos para ajudar a passar a
tempestade de forma mais suave por aqui. E não estou falando em reestatizar a
nossa renúncia fiscal porque o leite já foi derramado, mas de que as empresas
invistam mais por aqui. De uma forma diferente, reorganizando o setor em
padrões mais sustentáveis, por exemplo. Seria um bom momento para mudar a
matriz de produção em direção a algo com menos impacto social e ambiental (o
Estado poderia fazer isso diretamente, mas prefere injetar recursos em atores
que professam modelos de desenvolvimento antigos e depois pede calma em
encontros como a Rio+20 – vai entender).
Afinal de contas, já que muitas
empresas não se incomodam tanto com a qualidade de vida dos trabalhadores em
toda a sua cadeia de valor (da produção do carvão ao chão de fábrica), por que
se incomodariam com o resultado dos lucros desse trabalho, não é mesmo?
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