sexta-feira, 6 de julho de 2012

Heróis do pedal



O segredo da bicicleta de Bartali


Juan Carlos Alvarez Gino Bartali morreu em 2000, sem que ninguém soubesse a sua história real, do grande corredor que passou dois anos de sua vida salvando a vida de oitocentos judeus das garras do nazi-fascismo. Para isto usou sua bicicleta, onde escondia a documentação necessária para enviá-los para fora da Itália. E assim, sob o pretexto de simples treinamentos, levava os papéis de um lado para outro.
Ninguém suspeitou naquela época de um dos grandes mitos do esporte italiano, o homem que conseguiu dar Mussolini o Tour de France em 1938. Gino Bartali escondeu este segredo por quase 60 anos. No ano 2000 o segredo foi para o túmulo com ele, mas uma descoberta ocasional permitiu conhecer a dimensão humana que um dos maiores ciclistas do século XX alcançou durante a Segunda Guerra Mundial.
Nascido na Toscana, no coração de uma família pobre de camponeses, Bartali começou a correr porque seu pai encontrou trabalho em uma loja de conserto de bicicletas. O proprietário entusiasmado com o trabalho de Gino deu-lhe uma bicicleta e encorajou-o a treinar. As estradas íngremes da região eram o seu habitat natural, o lugar onde amadureceu as pernas para enfrentar as do rival Fausto Coppi, no duelo que dividiu a Itália.
Mas antes de estrelar alguns dos maiores duelos da história do ciclismo com o campionissimo Coppi, Bartali foi considerado cavaleiro do regime de Mussolini. El Duce, em seu delírio, sonhava ver um italiano derrotar os franceses no Tour de France e todos os olhos se voltaram para Bartali, que em 1936 tinha sido premiado com o Giro de Itália e se tornou uma celebridade em todo o país. Em 1937, uma queda frustra a sua missão. Ele havia começado a brilhar na montanha, mas na descida do Col de Laffrey, desapareceu sobre uma ponte. Seus companheiros ficaram assustados com o acidente, olharam por cima do penhasco e o encontraram no fundo do riacho. Ele se movia e ali ganhou o apelido de monge voador, por causa de suas profundas convicções religiosas.
Em 1938, ele cumpriu o sonho de Mussolini ao ultrapassar o segundo colocado em mais de 20 minutos. Quando a estrada era íngreme e o calor e a poeira secavam as gargantas Bartali não tinha rival. Mas a Segunda Guerra Mundial lhe tirou os anos em que poderia ter esculpido um histórico espetacular, quando Coppi ainda era um jovem correndo ao seu lado.
O que ninguém imaginava é que naqueles anos sombrios Bartali, um símbolo do Partido Nacional Fascista, foi um dos personagens chave de uma organização dedicada a salvar vidas de judeus italianos dos alemães que queriam envia-los para seus crematórios. Gino Bartali seguia treinando e fazia longas sessões de treinamento pelas estradas da Toscana e da Umbría. Ninguém poderia supor que no quadro de sua bicicleta ou sob o assento ele transportava documentos e passaportes para os judeus escondidos em mosteiros italianos.
Bartali não despertou qualquer suspeita, apesar da guerra impedir qualquer competição, era estranho ver alguém treinado nesse ambiente. Bartali corria com uma roupa que permitia ler seu nome, o que lhe permitia percorrer vários quilômetros recebendo os cumprimentos efusivos dos soldados italianos, pois era um ídolo. E quando uma patrulha alemã lhe parava a resposta era simples: "Eu estou treinando para as corridas que virão mais tarde". E os soldados o deixavam seguir. Os exércitos estavam acostumados com Bartali passando de um lado para outro em sua bicicleta, subindo e descendo as montanhas, mudando continuamente de rota. Era o correio perfeito.
Nos conventos e mosteiros a rede organizada por Giorgio Nissim, com o apoio de vários arcebispos, se dedicava a produzir passaportes destinados a salvar a vida de centenas de judeus e Bartalli transportava arriscando sua vida por aquelas estradas que ele conhecia como ninguém, mas que podiam trazer uma desagradável surpresa a qualquer momento. Durante 1943 e 1944 o corredor da Toscana, o Monge Voador, se dedicou a esta missão sem que ninguém o traísse. A guerra acabou e aqueles quilômetros de treinamento lhe valeram, com 32 anos ele conseguiu vencer o Giro de Itália em 1946 e com 34 anos, em 1948, se destacou nas sete primeiras etapas do Tour de France, numa demonstração de força nas montanhas.
Bartali se retirou para sua cidade natal, Florença, e por 50 anos não disse nada sobre o seu trabalho para ajudar os judeus que viviam na Itália. Durante décadas, ele carregou o rótulo de ser o corredor dos fascistas. Ele não se importava. Bartali morreu em 2000 e o mundo só descobriu o seu tamanho em 2003, quando os filhos de Giorgio Nissim encontraram um antigo diário de seu pai, em que ele detalhou a forma como trabalhou a rede clandestina dedicada a conseguir documentos para salvar a vida dos judeus.
Ali, naqueles papéis, estava explicado em detalhes as viagens feitas por Bartali, os quilômetros percorridos, os papéis que escondia na sua bicicleta e, acima de tudo, a dedicação abnegada à causa. Os Nissin contaram o que seu pai escreveu e então tudo começou a fazer sentido, tanto treinamento em um período que era difícil ver um ciclista pelas estradas italianas. A Itália descobriu um de seus maiores heróis. Os Nissin também revelaram o dado mais importante que escondia o diário de seu pai, 800 judeus deixaram de seguir para algum campo de concentração dos alemães, graças às pernas de Gino Bartali. 


Do http://www.laopinioncoruna.es, tradução Osni R. Mello

Um comentário:

Unknown disse...

Inspirador! Parabens e obrigada por nos proporcionar o conhecimento... beijos, sua Mi